Maria, a mãe de Jesus, nos inspira a trilhar um caminho vitorioso!

              O homem não é apenas um andarilho sobre a Terra sem nenhuma meta! É verdade que as vezes experimenta momentos terríveis, deparando-se fortemente com a maldade quando já se encontra extremamente extenuado, quase que vencido pela dor e pelo cansaço, encontrando fechadas as portas da cidade que lhe deveria oferecer repouso. É deserto! Tendo então seus objetos roubados pelos ladrões e agora amedrontado pelos animais que se fazem ouvir ao longe, experimenta uma noite pavorosa, um deserto ainda mais intenso1. E o amanhã poderá ser verdadeiramente um novo dia? Com o novo dia, as trevas serão mesmo dissipadas? Talvez não! “Se então surge para ele o sol da manhã, incandescente como uma divindade da ira, se a cidade se abre, ele vê, nos rostos dos que aqui moram, talvez ainda mais deserto, sujeira, engano, insegurança, do que fora das portas — e o dia é quase pior que a noite”2.
            O andarilho não está isento da escuridão, onde o passo se faz arriscado e incerto. Às vezes não basta despontar o sol, há que ser o Sol da Justiça! A necessidade de caminhar, inerente ao andarilho, poderá ser estimulada pela fé como reconhece o poeta: “andá com fé eu vou que a fé não costuma faiá”. De fato, disse o profeta: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria como a da morte” (Is 9, 1). Não poucas vezes o tempo é obscuro e tornado ainda mais tenebroso pelas próprias pessoas e pelos ‘podres poderes’.
         Contudo, mesmo quando a realidade insiste em dizer não, a fé na ressurreição de Jesus abre caminhos e a fé não é ilusória (cf. 1 Cor 15, 16ss). Paulo, apóstolo, nos recorda que “o justo viverá pela fé” (Gl 3, 11). Essa dimensão é importante ao andarilho, pois o Senhor vem em seu auxílio; mas essa dimensão é também um grande desafio! Pois o andarilho continuará a se deparar em sua vida com o lado escuro, doloroso, angustiante, trágico se ‘a fé faiá’, seja ele rico ou pobre, crente ou ateu. Não está dito que quem tem fé tem uma vida mais tranquila de quem não tem fé. Não foi assim com Abraão e tantos outros. Ter fé é também suportar o peso do caminhar, do cansaço, da escuridão, da dor, da dúvida, da angústia, do vazio, da perda de quem se ama e da própria perda. O ter fé faz o andarilho, como Cristo na cruz, gritar por Deus. O Senhor responde, mas no SILÊNCIO, na ressurreição para a vida plena e feliz quando ainda o andarilho está coberto de poeira e banhado pelas lágrimas.
       Não, o ser humano não é apenas um andarilho sobre a terra sem nenhuma meta! A sua história não é um absurdo. Mesmo deparando-se com situações monstruosas como o absurdo da guerra, o homem encontra o sentido de sua vida no Deus da Criação: “No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo” (Gn 1, 1-2a). Em outras palavras, o Senhor, do vazio, do vago, das trevas e do abismo, criou tudo do nada. O Deus da Criação é também o Deus da Salvação: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 16-17). Esta concepção de fé assegura que o mundo e tudo que nele há, em especial a existência humana, têm uma história. Mais do que isso, trata-se de uma história impregnada do amor de Deus, que longe de ser uma mera sucessão de acontecimentos, é presença amorosa, silenciosa, respeitosa do Senhor que a conduz, ainda que atravessada por contradições. Nesta perspectiva, a estrutura insaciável do andarilho, sempre em busca de ser mais, de ter mais, sedento e faminto do absoluto, encontra no Criador a saciedade que o inquietava. Afirmou Santo Agostinho: “fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti”3. E continua o andarilho o seu percurso!
         A primeira metade do século XX foi marcada por grandes conflitos e guerras, gerando desertos sobre desertos. A Igreja fez ecoar a sua voz! “Estamos em 1950 e a Igreja se vê no epicentro de um mundo combalido e abalado por duas guerras mundiais. A Europa, centro da chamada civilização ocidental e cristã, geme humilhada sob os destroços de seu brilho passado. Neste momento, Pio XII proclama o dogma da Assunção de Maria e isto soa, aos ouvidos do mundo, como uma profissão de fé na humanidade. A mesma humanidade que não mais crê em si própria pode canalizar o potencial de fé que ainda lhe resta em direção àquela que é sua mais digna representante e vê-la, vitoriosa, junto de Deus recuperando assim a esperança em seu próprio futuro”4. O andarilho pode por um momento perder o rumo, o brilho, mas não a meta!
        Não encontramos na Sagrada Escritura nada sobre o final da vida de Maria. Certamente isso possibilitou inúmeras especulações resultando numa celebração específica. “No século VI, começa a difundir-se no Oriente a celebração do trânsito ou dormição de Maria, fixada para 15 de agosto pelo imperador Maurício. Tal tradição passa para Roma no século VII, com o Papa Sérgio I, sem caráter oficial. (…) no século VIII, a partir do crescimento da devoção mariana, surge a devoção da assunção de Maria na França e na Inglaterra”5. As manifestações marianas ao longo dos séculos contribuíram de alguma forma com a solenidade oficial da assunção. O próprio Papa Pio XII afirma ter chegado à Sé Apostólica, entre os anos de 1849 e 1940, inúmeras cartas suplicando o dogma da assunção6. “Depois da definição do dogma da Imaculada Conceição (1854), houve um forte movimento mariano para que a crença devocional da assunção de Maria fosse transformada em dogma”7. O Papa Pio XII não hesitou: “declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial”8.
        A assunção de Nossa Senhora e quaisquer outras festas referentes à Maria estão sempre vinculadas necessariamente à Jesus Cristo9. Assim sendo, “A solenidade de 15 de agosto celebra a gloriosa Assunção de Maria ao céu; festa do seu destino de plenitude e de bem-aventurança, da glorificação da sua alma imaculada e do seu corpo virginal, da sua perfeita configuração com Cristo Ressuscitado. É uma festa, pois, que propõe à Igreja e à humanidade a imagem e o consolante penhor do realizar-se da sua esperança final”10.
         Aquela que disse de si mesma “o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor” (Lc 1, 49), ouviu de Simeão: “uma espada traspassará tua alma!” (Lc 2, 35). Nas grandes coisas se verifica também a Assunção, a Glória; e a espada que traspassou a sua alma resultou da lança que feriu no alto da cruz o lado de seu Filho. Desse modo, resulta significativo que a solenidade de 15 de Agosto (Nossa Senhora da Glória) não se separa da memória celebrada em 15 de setembro (Nossa Senhora das Dores). Maria cantou as maravilhas do Senhor e O continuou servindo em toda a sua peregrinação terrestre. “Manteve fielmente sua união com o Filho até à cruz, onde esteve não sem desígnio divino (cf. Jo 19, 25). E com ânimo materno se associou ao Seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima por ela mesma gerada” (LG 58).
        Maria, conformando sua vida à Palavra de Deus (cf. Lc 1, 38), não hesitou em recomendar àqueles que se apresentariam diante de Jesus: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5). E a sua assunção confirma ser vitorioso o caminho final daqueles que são perseverantes em fazer a vontade do Senhor. Desse modo, “a Assunção de Maria está estreitamente vinculada à Ressurreição de Jesus. Em ambos os eventos de fé, é do mesmo mistério que se trata: o do triunfo da justiça de Deus sobre a injustiça humana, a vitória da graça sobre o pecado. Assim como proclamar a Ressurreição de Jesus implica continuar anunciando a sua Paixão que continua nos crucificados e injustiçados deste mundo, analogamente, crer na Assunção de Maria é proclamar que aquela mulher que deu à luz num estábulo, entre animais, que teve o coração transpassado por uma espada de dor, que compartilhou a pobreza, a humilhação, a perseguição e a morte violenta do filho, que esteve ao seu lado ao pé da Cruz, a mãe do condenado, foi exaltada. Assim como o Crucificado é o Ressuscitado (cf. At 2, 22-24), a Dolorosa é a Assunta aos céus, a gloriosa”11.
      Maria, “a Mãe de Jesus, tal como está nos céus já glorificada de corpo e alma, é a imagem e o começo da Igreja como deverá ser consumada no tempo futuro” (LG, n. 68). O ser humano, trilhando um caminho de justiça, tende para o brilho eterno no Reino do Pai (cf. Mt 13, 43). Este itinerário não é realizado sem obstáculos, conflitos e trevas na peregrinação terrestre. O próprio Jesus advertiu: “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16, 33). Jesus de Nazaré, por sua encarnação, paixão, morte e ressurreição, libertou definitivamente o ser humano para a plenitude da vida (cf. Jo 10, 10). A Assunção de Maria a inseriu no destino glorioso que o será também para todo andarilho que renuncia a si mesmo e se põe no Caminho, no seguimento de Jesus Cristo.
- Padre José Vidal de Amorim