Vinde, Adoremos e Prostremo-nos (Perspectiva Bíblica)

Na tradição bíblica, a adoração se exprime fundamentalmente com o gesto de “se prostrar, inclinar-se”.

Esses dois movimentos do corpo, usados em diversas situações, não só do âmbito religioso, como por exemplo, na forma dos súditos se dirigirem a seus senhores, com o tempo, passaram a fazer parte da adoração religiosa e cultual no monoteísmo hebraico.

Adorar não é um simples gesto de cortesia que fazemos a Deus, mas um ato de humildade e verdade diante da unicidade e da santidade de Deus, na criação, na Lei da Aliança, dada por meio de Moisés, no Templo de Jerusalém... porque Ele é o Senhor, no céu e aqui na terra.

A adoração é um ato de amor ao Deus Transcendente (Temor de Deus). Também é um ato de culto pela sua fiel presença e vontade de permanecer próximo aos seres humanos, suas criaturas.

Prostrar-se, inclinar-se diante do Criador

Na tradução latina, “adorare” tem sentido de “direcionar a própria boca para Deus” (adoratio – gesto reverencial de tocar, cobrir com a boca, cair diante etc.). Temos o gesto de genuflexão diante de Deus, para enfatizar bem a ideia de amor ao Criador.

Toda a Bíblia é permeada desse gesto de adoração. Diante do Senhor – canta o salmista – nos prostramos. Recordemos o Salmo 95: “Adorai o Senhor com ornamentos sagrados. Diante dele estremece a terra inteira. Dizei às nações: O Senhor é rei. E (a terra) não vacila, porque ele a sustém. Governa os povos com justiça.”

Neste salmo de adoração, são sintetizados os grandes valores da criação, também o tema da aliança, quando se afirma que o Senhor é nosso Deus e nós o seu povo, e o convite a não tentar Deus, como aqueles que atravessaram o deserto, mas sim a escutar sua Palavra. Tudo isso representa o coração da adoração, não somente restrita ao Templo, mas que se revela nas atitudes da vida guiada pela Lei do Senhor a se inserir na maravilhosa história, feita de bênçãos apesar dos pecados da humanidade.

Adorar e Servir a IHWH - Único Deus

Para falar em adoração, é necessário primeiramente partir da experiencia histórica, especialmente do Êxodo.

A descoberta da Adoração é, para Israel, um caminho de libertação: da escravidão ao serviço de culto, da opressão para a liberdade. Na sarça ardente, Deus se manifesta a Moisés, dizendo:

O Senhor disse: “Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos. E desci para livrá-lo da mão dos egípcios e para fazê-lo subir do Egito para uma terra fértil e espaçosa, uma terra que mana leite e mel, lá onde habitam os cananeus, os hiteus, os amorreus, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Agora, eis que os clamores dos israelitas chegaram até mim, e vi a opressão que lhes fazem os egípcios. Vai, eu te envio ao faraó para tirar do Egito os israelitas, meu povo”. Moisés disse a Deus: “Quem sou eu para ir ter com o faraó e tirar do Egito os israelitas? Eu estarei contigo, respondeu Deus; e eis aqui um sinal de que sou eu que te envio: quando tiveres tirado o povo do Egito, servireis a Deus sobre esta montanha.” (cf, Ex 3,7-12).

Depois da saída do Egito, o povo chegou ao Monte do Senhor – o Sinai – onde se concede ao povo o código da Aliança como ensinamento:

Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de minha face.  Não farás para ti escultura, nem figura alguma do que está em cima, nos céus, ou embaixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto. Eu sou o Senhor, teu Deus, um Deus zeloso que vingo a iniquidade dos pais nos filhos, nos netos e nos bisnetos daqueles que me odeiam [...] (cf. Ex 20,2-5).

O tema da adoração está sempre ligado ao servir a Deus e ao dom da liberdade. O povo do Senhor, ao longo de sua história, era continuamente tentado a adorar outras divindades, como o Vitelo de Ouro, divindades cananeias ou de povos vizinhos.  A adoração passa ter por objetivo recordar a unicidade de Deus, que os libertou: “ Só o Senhor foi o seu guia; nenhum outro deus estava com ele.” (cf. Dt 32,12).

O povo será assim convidado a renovar muitas vezes a renovar a aliança, como fez Josué: “Nós serviremos o Senhor, nosso Deus, respondeu o povo a Josué, e obedeceremos à sua voz.” (cf. Js 24,24).  

Jeremias escreve aos exilados na Babilônia e os chama para se colocarem em estado de atenção: “Ireis ver em Babilônia deuses de prata, ouro e madeira, deuses que são carregados aos ombros e que, não obstante, inspiram temor aos pagãos. Quanto a vós, preveni-vos! Não imiteis esses estrangeiros, deixando que também o temor desses deuses se aposse de vós. Quando virdes a multidão comprimir-se em torno deles para adorá-los, dizei no silêncio de vossos corações: É somente a vós, Senhor, que devemos adorar.”  (cf. Br 6,3-5).

Percebe-se aqui que “adorar” é amar e observar os mandamentos. Somos tentados de muitas formas a voltar ao tempo da escravidão e substituir Deus pelo criado. Construímos nossos “bezerros de ouro”, falsos deuses, à nossa imagem e semelhança, ao invés de adorar o verdadeiro Deus, que nos liberta da tentação da idolatria. Agimos assim quando nos tornamos auto centrados, egoístas, oferecendo incenso para o mundo e suas seduções. Na verdade, quem assim age adora a si mesmo.

O tema da adoração implica retomar nossa vocação desde a criação, ou seja, confiar naquele que nos criou para sermos felizes e livres, uma vez feitos à imagem e semelhança d’Ele.

Vençamos a idolatria que sutilmente contamina nossa vida de fé. Adoraremos a Deus em Espírito e Verdade.